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O pão nosso de cada dia está diferente

Fortalecida, panificação artesanal tem atraído um número crescente de pequenos empreendedores

12.08.21 - 10H03 Por camillalima
Croissants de fermentação natural tem feito sucesso na cidade(foto: Acervo Pessoal Grão D’Alino)

Pra muita gente, a vontade de empreender surge com a busca pela realização profissional e pessoal. Foi assim para Cassius Régis Antunes Coêlho, 47, formado em ciências contábeis. Mesmo com carreira consolidada, começou a questionar-se sobre seu futuro, e após um processo de redescoberta, decidiu mudar de área. 

Já a jornalista Kerla Alencar Costa, 45, começou a empreender quase que sem querer. Foi testando umas receitinhas como hobby e quando viu já estava delineando um novo rumo. Aí foi só correr atrás para afinar suas habilidades na recém descoberta paixão e hoje já está há quase 9 anos tocando seu pequeno negócio.

Daniel Aquino de Oliveira, 37, cursou 4 anos de direito, mas no meio do caminho surgiu a gastronomia. O arrebatamento foi imediato. Largou tudo o que dizia respeito à sua primeira opção de curso e se deixou levar ao sabor da paixão pela cozinha. Formou-se chefe de cozinha, trabalhou em diversos restaurantes, até surgir a primeira possibilidade de tornar-se empreendedor. 

Em comum, todos eles dividem a paixão pela panificação, mais especificamente pela padaria artesanal. O pão quentinho que tem chegado à mesa dos Fortalezenses tem cheirinho e sabor atenuados. Longe da farinha branca e comum, os pãezinhos tem trazido mais que uma moda, tem virado tendência por aqui.

Tanto, que é crescente o número de padarias e padeiros artesanais surgindo na cidade. Crosta crocante, alvéolos macios e robustos, os pães de longa fermentação resgatam o modus operandi da fabricação original do insumo – com água, sal e farinha. O tempo estendido para fermentar, inclusive, traz benefícios como, por exemplo, a digestão mais acelerada. 

O jeito pode remontar ao passado, mas nem por isso as possibilidades diminuem. Pelo contrário. Da simbiose entre simplicidade, tempo e paciência surge uma variedade considerável de pães que destilam complexidade, trazendo um cardápio recheado de opções mais sofisticadas. Inclusive, pães sofisticados são um advento antigo. Escavações arqueológicas mostram que, quando foi destruída pelas lavas do Vesúvio, no século 1, Pompeia já produzia iguarias bem similares aos pães italianos consumidos hoje. 

E é nessa onda, que os três padeiros vem surfando. Por volta de 2014, Cassius vendeu sua parte na bem sucedida empresa de contabilidade e decidiu tirar um ano sabático para definir por quais caminhos iria trilhar a partir dali. Mas já sabia que o chamado vinha da área da alimentação, e foi em busca da especialização: fez curso de padeiro, pizzaiolo, cozinheiro, confeitaria.

“Foi na época em que a padaria artesanal tava começando a crescer no Brasil e no mundo, várias padarias fazendo um trabalho interessante, aí eu vi que era uma área que eu gostava e que tinha também a possibilidade de empreender. Então comecei a estudar mais, procurei referências e comecei a fazer um trabalho de produção ainda com estrutura bem precária. Era por volta de 2016”, conta.

Por volta de 2013, Kerla começou, despretensiosamente, a fazer seu próprio pão em casa. O cheirinho do insumo no forno perfumava todo o ambiente – e mesmo sem ela se dar conta – fermentava a sementinha de seu futuro negócio: “Quando eu percebi, em 2015, a panificação já ocupava um espaço grande na minha rotina e foi o momento em que eu decidi que era preciso investir em formação”.

Daniel, por outro lado, trazia na bagagem toda uma expertise na cozinha. Já formado como Chef de cozinha, apostou em alguns cursos na área da panificação. Foi de São Paulo à França em busca de aprimorar suas técnicas. Em 2011, teve sua primeira experiência com o empreendedorismo. Montou junto com a mãe uma delicatessen, mas o negócio não vingou e Daniel foi embora para o Rio Grande do Sul. Em 2015, já com os pézinhos na capital cearense, recebeu a encomenda de um amigo, que queria um pão especial. Daí a panificação o chamou de volta ao batente. 

Cassius começou apostando nos pães integrais, para dietas e sem glúten. A fermentação natural foi um saber que foi chegando aos poucos. Com isso, os clientes foram se multiplicando e as fornadas aumentando. A casa já não comportava a demanda.

Procurou até encontrar o ponto perfeito: na esquina entre as ruas Coronel Jucá e República do Líbano decidiu dar seguimento ao sonho de ter sua padaria. O espaço tinha tamanho suficiente para comportar sua produção em ascensão e um balcão que funcionaria no melhor estilo To Go. Nascia a Grão D’Alino, em agosto de 2017. 

Para Kerla, não era uma urgência empreender. Afinal, já tinha sua fonte de renda – a Comunicação. Começou fazendo seus pães por prazer, mas o negócio foi tomando forma. “Eu fazia pão como muita gente que começou, por que aprendia uma coisa aqui, outra na internet, alguém que me ensinou algo… então meu desafio era ter um produto consistente, um produto realmente bom, saber improvisar, criar. Eram desafios de quem não tinha uma formação e também os desafios de quem não entende de empreender”. Mas ela tomou gosto pelo negócio, se especializou e no cardápio apostou nos pães 100% integrais. Nascia a Pequena Padaria Caseira oficialmente, em 2013.

Venda, produção e entrega. No início, Daniel é quem dava conta de tudo. “Pouco acreditava que teria sucesso, mas estava finalmente fazendo o que amava”, conta. Os clientes foram surgindo, primeiro, por indicação, depois o boca a boca foi espalhando a nova opção de pães artesanais na cidade. E assim, as fornadas foram crescendo e o negócio, ao contrário da primeira tentativa de empreender, foi ganhando estrutura.

“Conseguimos aumentar a nossa produção, investir em melhores equipamentos, no nosso espaço e na formação de uma equipe. Finalmente, aos poucos temos conseguido conquistar o paladar cearense com os pães de fermentação natural”. Daniel já entrou no segmento apostando na tendência, consolidando o que ele batizou de Daniel’s Bakery, em 2015. 

Na Pequena Padaria Caseira da Kerla, a padeira não cuida só do pão, não. A rotina é de quem tem o privilégio de trabalhar de segunda a sexta , mas com a responsabilidade de fazer todos os processos do seu negócio: “Eu não sou apenas a padeira, a pessoa que bota a mão na massa. Eu sou a pessoa que faz as fotografias, a pessoa que divulga, que monta o cardápio, que faz as compras e administra o estoque.

Eu sou, principalmente, o atendimento da minha padaria, as pessoas falam diretamente comigo (via WhatsApp), e sou o pós-venda, por que eu preciso saber se a pessoa ficou satisfeita. É a rotina de quem está usando a criatividade o tempo inteiro, e isso é uma coisa muito cansativo”, enfatiza com a propriedade de quem precisa alternar entre vários papéis ao longo. 

Esse retorno ao pão, por assim dizer, original tem conquistado o paladar do Fortalezense. E cada padeiro, a sua maneira, busca seu diferencial. Além do contato mais próximo, Kerla, por exemplo, é quem responde as mensagens via WhatApp. Já a produção de Cassius tem uma janela aberta pra rua para quem quiser acompanhar o processo de fabricação dos pães.

Mas o fato é que até a relação com o padeiro mudou. Não estamos falando de uma grande padaria onde não sabemos quem está pondo a mão na massa. Não só sabemos quem é o padeiro como também há uma maior transparência sobre os ingredientes utilizados e sua qualidade. E isso também aproxima a freguesia.

“Conquistar o paladar do fortalezense foi um desafio no sentido das pessoas botarem fé que um pão feito exclusivamente com farinha integral poderia ser bom. Eu tive a sorte de logo que eu comecei, mesmo sem ser padeira profissional ainda, ter conseguido fazer uma formulação de pão que agradasse muito, do ponto de vista do sabor”, enfatiza Kerla.

Daniel também vê essa mudança, não só no paladar, mas na oferta, que hoje é bem maior por aqui: “Digamos que aqui, estamos trabalhando em conjunto. Pois além do surgimento de diversas padarias de fermentação natural, também temos inúmeras pizzarias que tiraram o fermento industrial de suas receitas. Ao consumir o produto, o cliente percebe a mudança na leveza, no sabor e na sua digestão. É difícil não ser amor à primeira mordida!”, conclui.

E essa transformação não é só do cliente, mas os próprios padeiros foram se apropriando mais desse mercado e, aprimorando técnicas, estão oferecendo produtos com qualidade e sabor. Kerla conta que suas primeiras fornadas não tinham a primor de hoje: “O pão saia meio achatado, parecia um tijolo” ri. 

Alguns cursos e muita mão na massa depois, conseguiu desenvolver a fórmula que conquistou os clientes. “Depois que eu me formei, foi que entendi o processo e consegui melhorar o meu pão para ele chegar ao que é hoje, muito parecido com qualquer pão tradicional feito com a farinha branca, em termos de textura, mas em termos de estrutura meu pão evoluiu muito e fui conquistando o paladar do fortalezense assim, surpreendendo as pessoas com um bom pão feito com farinha integral, que é algo que nem todo mundo acredita de primeira. É preciso provar, convencer a pessoa a experimentar para que ela tenha uma boa experiência e mude de opinião”, explica. 

O futuro ao pão pertence

Com o crescimento da demanda, Cassius manteve seu atendimento na mesma esquina charmosa, mas a produção precisou migrar para um espaço maior. O plano é que neste segundo endereço passe a oferecer também o serviço de mesa, agregando novos aromas e sabores para serem consumidos no local. 

Já Kerla, pretende manter a padaria caseira sendo caseira mesmo. Suas vendas são feitas, exclusivamente, via WhatsApp e ela usa toda a bagagem que adquiriu na comunicação para promover sua marca nas redes sociais. Por lá, divide ainda diversas dicas sobre o universo da panificação. No seu IGTV, inclusive, ela disponibilizou o Reality do Levain, que ensina a fazer o fermento natural do zero. Ou, no mínimo, acompanhar a interessante saga dos micro-organismos responsáveis pela fermentação. 

Daniel, que teve seu processo de expansão prejudicado pela pandemia, segue se reiventando. Suas fornadas saem sempre às terças, quintas e sábados para o consumidor final, mas também vende para restaurantes e hamburguerias. “Estamos trabalhando para desenvolver cada vez mais a cultura do pão de fermentação natural na casa do fortalezense, queremos disseminar essa cultura, junto com as padarias que já fazem esse trabalho comigo e as que estão por vir.”

Gostou do assunto? Confira nosso podcast sobre como Empreender na panificação:

https://radiopublic.com/empreender-mpe-WlErnA/s1!a327f

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