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Moda com sotaque

Empreendendo na terra do sol: a cearensidade que inspira empreendedores e os desafios dos pequenos negócios

02.10.21 - 09H54 Por camillalima
Coleção da marca Açude

O Ceará é um grande celeiro de criatividade e boas ideias. E isso para o empreendedorismo é muito valioso. Hoje, o Estado não deixa em nada a desejar quando o assunto são bons negócios. Materiais de qualidade e ideias inovadoras são premissas das milhares de marcas, que nascem das mãos habilidosas de pequenos empreendedores. 

Com as redes sociais é ainda mais fácil descobrir novos e riquíssimos trabalhos. Seja na confeitaria, vestuário, calçados, acessórios, basta um passeio por essas redes – ou pelas feiras colaborativas da cidade, para ver o tamanho do potencial que parece brotar na terra do sol. Só para se ter uma ideia de sua importância, segundo estimativa do Sebrae, esses pequenos negócios contribuem com cerca de 36% de toda a riqueza produzida no Ceará. São empresas que nascem de um sonho, vão se tornando realidade e impactando positivamente a economia local. 

Vovó quem fez é uma dessas marcas. Formada em moda, Amanda Magalhães Chrisóstomos, 30, atuou em todas as frentes possíveis e imagináveis no segmento: “Quando eu entrei no curso, eu tinha muito forte dentro de mim que queria experimentar tudo o que o curso pudesse me oferecer em relação a oportunidade de emprego e de áreas. Estagiei em todos os locais que você puder imaginar: estagiei em revista, em fábrica, mídias sociais, produção, estagiei com tudo”, lembra. 

Mas o desejo pelo curso de moda não foi por acaso: a avó materna da Amanda, dona Maria Mirtes Malveira Magalhães, 80, é costureira auto-didata e com o ofício sustentou os cinco filhos. Entre agulhas e linhas, Amanda foi criando essa ambiência desde a infância: “Sempre tive contato com esse mundo da costura, com o mundo de transformar tecido em peças e isso me encantava muito. Então quando eu fui decidir a escolha do meu curso no vestibular, não tinha outra opção a não ser fazer moda por que eu não me via fazendo mais nada”. 

Mas depois de muitas experiências trabalhando “para os outros”, ela percebeu que o que queria mesmo era ser sua própria chefe. “No meu último estágio eu trabalhava muito com pesquisa e comecei a ver umas lingeries super delicadas, quando procurei em Fortaleza não tinha e quando tinha eram muito caras. Minha chefe na época me ajudou e eu costurei meu primeiro top, daquele jeito”, conta entre risos. 

Satisfeita com o produto, levou para quem podia desenvolver a peça com maestria: sua avó. “- Aí ela falou: menina o que é isso? E eu, – vó é uma lingerie, topa? Quero começar, me ajuda?”. E ajudou, nascia, em 2014, a marca cearense Vovó Quem Fez. “Comecei com ela, eu cortava, ela costurava. O nome Vovó Quem Fez não é por acaso, é por que no começo era ela, literalmente, quem fazia as peças, então não teria outra nome”. 

Sávio Ewan, 29, formado em designer de moda, já passeou por alguns caminhos do empreendedorismo. Com o pé na moda sustentável, em 2017 ele e sua sócia na época, Angélica Amaro, fundaram a marca In Hope, uma espécie de closet compartilhado, cujo o intuito era o empréstimo de looks, visando o não consumismo desenfreado. Para ampliar as possibilidades do closet da marca, Sávio repaginava roupas e calçados. Com isso, adquiriu expertise, proximidade e afetividade pela construção dos sapatos. 

A In Hope foi descontinuada, mas Sávio resolveu dar um novo significado a habilidade adquirida. O que lhe rendeu, em 2019, a ideia do seu novo negócio: “Comecei a fazer pesquisa de fornecedor e de sapateiros aqui na cidade. No final do ano de 2020 eu lancei a empresa. Como eu tava iniciando, eu não tinha um local físico, eu não tinha nada, eu tinha muita força de vontade e algumas ideias na cabeça”. Assim, surgia a Terra da Luz, uma marca especializada em calçados pra lá de estilosos. 

Ana Beatriz Ribeiro é de Juazeiro. Cursou Arquitetura na UFC, mas lá no fundo algo já lhe dizia que não era por esse caminho que ela iria trilhar. Chegou o TCC, e ela decidiu escrever sobre sua ancestralidade e o lugar de onde veio. Para compor o trabalho de conclusão de curso, Beatriz precisava elaborar uma escola de artesanato em Juazeiro, a ideia era reunir designers e arquitetos que ensinassem o trabalho artesanal, perpetuando o ofício para as novas gerações. 

Com as descobertas adquiridas, algo despertou na mente da futura empreendedora, que terminou o curso de arquitetura e decidiu entrar para a moda. “Sempre soube que queria fazer moda, me enganava na arquitetura, mas tal hora a gente acha o que a gente quer”. Esse processo todo foi importante para a maturação da Açude, marca novinha em folha, nascida o ano passado, que trabalha com o conceito muito forte do artesanal e sua relação com o Ceará. 

A cearensidade que inspira

Tanto que o nome dado a sua primeira coleção foi Caatinga: “A inspiração sempre foi e é o Juazeiro, a marca é sobre o Juazeiro, sobre o interior em si. Na primeira coleção, eu quis fazer algo inspirado na natureza e descobri a timbaúba”. O fruto deu nome a uma de suas principais criações, o body Timbaúba. Uma das peças da marca que mais vende. Outra blusa recebeu o nome de palma, inspirada na cactácea mexicana, que foi readaptada ao clima cearense, que serve de alimento para o gado e hoje é muito comum na paisagem do Cariri. Cropped Tatu, inspirado na carapaça do animal e muitas outras referências trazem o forte sotaque cearense para a Açude. 

A última coleção da Terra da Luz, Magnífica Afrodite, é inspirada nas deusas greco-romanas. Mas nos materiais, o toque de cearensidade é sempre presente. Na palha de buriti, da sandália Olímpia, na palha de carnúba, utilizada na Leda. Assim como na paleta de cores, que remetem as matizes de Icapuí: – das falésias, da vegetação. Inspirações que norteiam a cabeça do artista: “Arte, cultura, moda e designer. A gente tenta alinhavar esses quatro pontos na nossa construção, tanto de produto, quanto imagética”. 

Na Vovó Quem Fez, a inspiração brota de cada cantinho da terra, através de sua gente: “O Ceará está 100% presente nas nossas criações: o que a gente convive, o que a gente vê é o que nos inspira. Somos uma empresa de mulheres, que faz lingerie pra mulheres, e o que nos inspira é a história da minha avó, que é costureira desde que se entende por gente, que teve que sustentar os cinco filhos com a costura. É a história das costureiras que trabalham com a gente e que estão todos os dias batalhando atrás de seus sonhos. É a nossa história, de pessoas que decidiram empreender e que está dando certo”.

Os primeiros dois anos da Vovó Quem Fez, foi tocado pela Amanda e sua Avó. Mas desde 2016, ela conta com o apoio de outras duas sócias, Karollyne Guedes Valente, 30 e Isadora Frutuoso Gonçalves, 32. E não ocupa mais tanto a vovó com as costuras, já que hoje conta com cerca de 6 costureiras trabalhando para a marca. 

“Produzir calçados aqui no Ceará é um grande desafio. Somos um pólo calçadista, mas sendo uma empresa pequena, que trabalha de forma autoral, em slow fashion, com o olhar pra produção artesanal, é um grande desafio. É muito difícil competir com grandes empresas, que tem um leque muito maior de produtos e que recebe tudo mais mastigadinho, que tem acessos a espaços como shoppings e lojas de rua muito maior do que a minha empresa”, relata Sávio, que apesar de todos esses contratempos, enxerga nestes percalços processos necessários para chegar a um patamar de conhecimento e retorno financeiro. 

Desafios:

“Por mais que tenha esses desafios, o público cearense é muito receptivo, ele recebe o meu produto muito bem, acolhe minha marca muito bem. Não só o público cearense consumidor, como também lojas colaborativas, feiras de rua, e é bacana ver isso. Então é quase como se fosse um alivio diante de todo esse desafio que a empresa tem, que é de se estabelecer no mercado, ser referencia, ser conhecido”, conclui.

“A gente tá começando agora e o grande desafio é se manter, é viver disso. É muito trabalho, é muita energia. Eu faço muita coisa, sou eu e minha mãe na marca, mas eu mesma faço muita coisa. E estou começando a entender como é esse trabalho. É a cadeia produtiva, é você entender as pessoas que conseguem trabalhar pra você, é você ter um padrão de qualidade que consiga manter do início ao fim do processo, é manter a sanidade, é tudo”, revela a jovem empreendedora da Açude. 

“Empreender no Brasil não é fácil. Tudo é feito para o pequeno empreendedor quebrar, é basicamente isso. São muitos pré-requisitos, são muitos impostos, muita informação. A pessoa que não tem conhecimento, acaba se perdendo no meio do caminho e até desistindo. Nós (as sócias) somos formadas em moda e nós não tínhamos essa formação em relação a conhecimentos bem básicos, – como CNJP, o que que é, tem que tirar? – , e nós não fomos ensinadas a isso. Então quando você começa a empreender, pensando – Ah, vou fazer umas roupinhas e vou vender, você não tem a mínima ideia de tudo o que tá faltando pra você ter realmente uma empresa, você só tem uma marca e quando você vai tendo um conhecimento da vida real, – de todos os impostos, de todos os encargos, de tudo o que tem que ter pra realmente funcionar -, você meio que se assusta”, conclui Amanda. 

São marcas que tem história e movimentam a economia do Estado. E em meio aos muitos desafios, vão tecendo sonhos e construindo a força que impulsiona o empreendedorismo cearense.

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